Eunápolis, 21 de tjulho de 2020
Querido Paulo,
Somos de um tempo em que as cartas faziam partes de
nossas vidas, ainda mais quando éramos quase nômades e vivíamos mudando de
cidade a cidade. Quando criança, víamos a ansiedade de mamãe para receber uma
carta e depois, o ritual de abrir, ler,
rir ou chorar, e, em meio a tudo isso, eu nada entendia. A mim restava apenas
esperar o momento oportuno para ver o selo, que sempre trazia uma estampa
diferente e eu não tinha uma noção clara de como a carta chegava até nós. Sabia
que era pelo o carteiro, uma importante figura sempre esperada. Mas, como a
carta chegava ao carteiro? Nada como o velho e bom tempo para aprendermos sobre
as coisas simples e complexas da vida. Eu aprendi como escrever uma carta, como
postar e o fluxo dela até chegar às nossas mãos. Foi assim como a boneca de
pano, Emília que tomou uma pílula e tagarelou a falar, que eu comecei a falar
por meio das cartas. Escrevi para mim mesma, como tarefa da escola, nas minha
brincadeiras com a Ritinha, para os amigos, empresas, para o Stevie na época do
namoro e depois ainda, no casamento. Escrevi cartas para os irmãos, para mãe e
para o filho, e como boa aquariana que sou, tenho um dedo no passado, uma mão
no presente e todo o meu corpo no futuro, haverei de deixar uma carta para o
meu neto e minha e neta. Gosto das cartas não só por conta das notícias, mas
por nos permitir dar livre curso aos nossos sentimentos e pensamentos. Por isso
lhe escrevo. Sim eu poderia ter mandado uma mensagem pelo o Whatsapp, ou só
telefonado. Mas sou um universo em expansão que não cabe nessa forma rápida de
comunicação. Veja como precisei falar de mim, para só então falar de ti que é o
aniversariante do dia. Tenho poucas lembranças do menino Paulo. Lembro de uma
frase: “Não chore mamãe, quando eu crescer vou ser trabalhador”. Mito ou
verdade? Você é um canceriano, um homem de família e faz sentido a sua frase
dita em tão tenra idade. O menino cresceu, ficou taciturno, se tornou um
adolescente fechado e irônico, como todos nós naquele ambiente inóspito que era
nossa casa. Você casou, teve uma filha e descasou. Como em um conto de fada,
conheceu sua princesa, que com um beijo, com amor, paciência, jeito e respeito,
foi aos poucos lapidando a pedra bruta e trazendo à tona o homem que você é. Novamente
foi o pai e o tio que toda criança quis
ter. Mais uma vez, você pôde ser a criança e o adolescente que foram soterradas
dentro de ti. Dizem que seu nome tem como significado: “o pequeno, de baixa
estatura”. Ai daqueles que não lhe conhecem e não sabem o gigante que você é e
a força que tem. Você é generoso e bom, mas pode ser afiado como uma lâmina,
gosta muito da família, mas sabe que é preciso se afastar um pouco para melhor ver
a pintura no quadro. Eu sou muito grata por lhe conhecer. Lembro-me de ti
chegando em Eunápolis há quase 20 anos na garupa da moto do Stevie,
excepcionalmente para me ver grávida. Depois o Sam nasceu e você se fez
presente em nossas vidas e foi um presente para Sam ampliando a concepção dele
sobre família e logo, o bebê virou um menininho que ficava em minha volta
repetindo “eu quero falar com o tio Paulo. Liga para ele”. Você o viu se
tornar um menino, sentou no chão para
brincar, esteve presente no aniversário, vibrou com as conquistas, o viu se
tornar um adolescente ora introspectivo, ora engraçado, e agora, o adolescente
se fazendo homem. Parece que o tempo
passou rápido, mas 20 anos se passaram. Suas filhas adolescentes viraram
mulheres, os sobrinhos e sobrinhas cresceram, bateram asas, mudaram e se refizeram,
mas você sempre estará lá com eles. Assim como sempre estará comigo. Você pode ser
exasperante e teimoso, mas você é amoroso e cuidadoso com os que ama e felizes
são os que são amados por ti.
O que posso eu lhe dar em seu aniversário, a não ser o
desejo que você tenha uma vida mais plena possível ao lado da sua dama de
ferro, a Sônia, é claro. Assim como das meninas e do Pedro. Que possamos nos
ver muitas vezes e que nossas vidas sejam eternas enquanto durem e possamos nos
divertir muito.
Saiba que até posso ver tua cara diante da minha
carta. Logo fará uma piada ou um trocadilho qualquer, mas este é apenas o jeito
que aprendemos para esconder nossas emoções. Não se preocupe, pois nunca mais
seremos os “bichinhos da infância”. Aprendemos amar, pois só se aprende amar,
amando. Eu lhe amo e sou muito grata por teu amor. E quem ama, simplesmente
ama, pois o amor é um verbo intransitivo e não precisa de complemento. Deixo
para ti um poema do meu querido Cazuza.
Poema
Cazuza
“Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é
iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás”
O reencontro de irmãos e o início de uma grande
amizade. Meu irmão-amigo. Obrigada Paulo querido por teu amor.
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